quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vitimados pelo filho do coração




A MORTE

A morte é a curva da estrada.
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

                              (Fernando Pessoa)



Domingo à noite a Igreja evangélica brasileira perdeu um dos seus membros mais lúcidos que já conheci. O Bispo Anglicano Robison Cavalcanti e sua fiel companheira foram barbaramente assassinados em sua própria casa. Impossível conhecer o Robison e não admirá-lo por sua inteligência, vivacidade, simplicidade, amor ao evangelho e compromisso para com a igreja do Senhor Jesus.

Cheguei ao seminário em Recife em 1982 e pouco tempo depois conheci o Robson que era Persona non grata para a cúpula do SPN naquela época (Seminário Presbiteriano do Norte), vivia rodeado de alunos que bebiam ávidos os seus ensinos e não perdiam por nada as suas palestras ministradas na sede da casa de estudantes de teologia na Rua Demócrito de Souza Filho, quase em frente ao portão do SPN. Reverenciado por todos, nos tratava como iguais, respondia pacientemente cada pergunta e dava atenção especial a cada um de nós.

O Robison era muito mais que um intelectual pensando a igreja, o víamos como um pastor que obstinadamente guerreava contra forças adversas que embotavam a visão da igreja, tornando-a uma organização desprovida de paixão pelos perdidos, incapaz de compreender o homem como um ser com necessidades que vão além da salvação da alma, para o Robison a missão não se encerrava com a inscrição do nome no livro da vida e a conseqüente aquisição do passaporte para o céu, era preciso muito mais. A pregação do evangelho e aceitação do mesmo, conforme seus ensinos traziam consigo profundas mudanças éticas, morais, políticas e sociais. Aceitar a Cristo significava comprometer-se integramente com as verdades do evangelho, redirecionar a vida toda de conformidade com as prioridades do Reino de Deus e amar como Jesus amou e por isso deu a sua vida.

Ironicamente, nas palavras do meu amigo Rev. Antonio Florêncio Alves Neto o Robison morreu porque amou. Morreu pelas mãos de seu filho adotivo. Um filho biológico pode ser fruto de descuido, não ser fruto de uma escolha, não significa que não será amado com a mesma intensidade que o filho programado, sonhado, esperado. Já o filho adotivo, é filho do coração, pura escolha, puro amor, pura paixão. Quem adota um filho, não faz para aprender a amá-lo, visto que a adoção já é um ato de puro amor. Adotar é repetir na historia o que Deus no conselho da trindade fez conosco na eternidade quando decidiu em Cristo nos adotar como filhos por meio do sacrifício na cruz sangrenta.

Portanto, podemos afirmar que quem adota se assemelha a Deus, que nos amou de tal forma que nos tornou seu filho mediante a adoção. Adotar é muito mais que um ato jurídico, é um ato de profunda afetividade, pois quem adota está disposto a oferecer a uma criança quem não veio do seu sêmem, não foi gerada no seu ventre, muito mais que bens materiais, mas o seu coração. O casal Cavalcanti não foi vitima de um homicida qualquer, mas foi vitimado pelo filho adotivo, o filho que eles gestaram no coração. Parece absurdo, mas foi morto por um filho, um homem que viveu sob o signo do amor ao próximo como expressão do seu amor a Cristo.

Gosto da forma como o poeta Fernando Pessoa define a morte em seu poema intitulado a Morte, para ele morrer é dobrar a curva da estrada, morrer é só não ser visto.

O Robison e sua querida esposa dobraram a curva da estrada pela ação homicida de quem eles tanto amaram. Acertou o poeta, a vida não acaba para quem morre em Cristo, mas ela se plenifica, deixando de ser efêmera para ser eterna, deixa de ser cheia de dores e sofrimento pra ser plena de gozo e saúde, deixa de ser cheia de incertezas e contradições para ser a concretização das promessas bíblicas que enche de esperança o nosso caminhar.  

Morrer é não ser visto. Não veremos mais o Robison, ele dobrou a curva da estrada não será mais visto. No entanto o seu legado permanecera entre nós, seus ensinos continuarão edificando a igreja do Senhor Jesus, seu exemplo de amor permanecera falando aos nossos corações, nos motivando a continuar a jornada, enfrentando com coragem as lutas do dia a dia, amando neste mundo de tanto ódio, adotando mesmo sabendo que muitos estão abandonando os seus entes queridos, amando mesmo sem sermos amados, amando conforme o exemplo de Jesus. Ele não esta entre nós, se foi na curva da estrada, nossos olhos não mais o vêem, mas o seu exemplo nos estimula a viver e morrer por amor aquele que foi a cruz por muito nos amar.

Ivan José Santos Silva

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A atualidade do velho espelho narcísico



Vivemos uma tremenda crise de humanidade, as pessoas estão cada vez mais distantes uma das outras, cada vez mais indiferentes, frias e desafeiçoadas. Os relacionamentos se tornam cada vez mais mecânicos, superficiais e vazios. Somos uma tribo composta por pessoas estranhas, sem vínculos duradouros, sem cola, sem afeto.
Andamos por ruas entulhadas de seres estranhos, uma multidão de gente sozinha, sem conexão e sem vínculos. As cidades incham, os condomínios se multiplicam e os consultórios de psicanálise se tornam o refugio de uma multidão solitária, sem rumo, cheia de coisas e vazia de relacionamentos.
Vivemos em um mundo narcisista. Narciso não apenas se achava o mais belo dentre os seres humanos, mas também se achava perfeito e pleno, as suas virtudes lhe bastavam para viver e morrer, não necessitava de mais ninguém além de si mesmo. Assim como Narciso buscamos a plenitude, a completude, a capacidade de vivermos sozinhos. A sociedade pós-moderna ama coisas e despreza pessoas, por isso, no afã de conquistar a independência financeira alguns sacrificam a família, mulheres matam o desejo da maternidade, jogamos fora velhas e duradoras amizades e nos desumanizamos como o personagem da mitologia grega, porque adoramos ver refletida a nossa imagem em nossos espelhos.
Nessa busca desenfreada por coisas, bens e patrimônios, que são paradigmas modernos do velho espelho narcísico, se materializa a nossa carência por espelhos. Sei que pode parecer pobreza verbal dizer que valemos pelo que temos e não pelo que somos, mas essa é uma verdade cada vez mais presente em nossos dias, as coisas que nos possuem também nos projetam, razão porque nos tornamos cada vez mais escravos da mente narcísica que rege o nosso mundo.
Multiplicar bens é como multiplicar espelhos, pois o que possuímos nos projeta além das angustias asfixiantes da alma e assim como o espelho que refletia a beleza deslumbrante de Narciso, sem se importar com a sua alma, as coisas que temos nos projeta aos olhos da sociedade e vende a todos a nossa imagem de sucesso e poder, sem revelar nossa pobreza afetiva e nossa alma enferma. Como geralmente associamos felicidade ao poder de compra, logo, concluímos que quem tem mais bens é mais feliz.
Como Cristãos precisamos combater essa mentalidade narcisista que com sua batuta comanda a nossa agenda, estabelece nossas prioridades e rege nossas vidas ao som da sua musica fúnebre. Ser de Cristo é antes de tudo, “ser humano”, é ter a capacidade de olhar além do espelho e desprezar os valores humanos que nos envaidece e que fecha nossos olhos à verdade de Deus.
Quando trocamos Narciso e sua mentalidade egoísta por Cristo e sua ênfase na pureza da alma, no amor ao próximo, nos relacionamentos verdadeiros e profundos, entendemos que os espelhos deste mundo nos hipnotizam e nos impedem de contemplar a beleza de Deus revelada nos relacionamentos, na comunhão, na alegria de fazer uma refeição juntos, na companhia agradável de amigos, no sorriso de um filho, no abraço carinhoso do conjugue.
Em Cristo,
Ivan José

Tragédia no Haiti a quem podemos culpar.





Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental, mais da metade da população vive com menos de 1 dólar por dia e cerca de 78% com menos de 2 dólares e tem uma alta taxa de mortalidade infantil (60 em cada 1.000 nascimentos).Um país com orçamento menor que o orçamento do Senado brasileiro, mergulhado em disputas políticas que se arrastam a anos, promovendo pobreza, sofrimento e desespero para a população.

Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de proporções catastróficas, com magnitude 7.0 na escala de Richter, atingiu o país. O palácio presidencial, várias escolas, hospitais e outras construções ficaram destruídos após o terremoto. O número de mortos não é conhecido com precisão, embora fontes noticiosas afirmarem que podem chegar aos 100 mil. Diversos países disponibilizaram recursos em dinheiro para amenizar o sofrimento do país mais pobre do hemisfério ocidental. A tragédia no Haiti confirma a máxima pessimista de que quando as coisas estão muito ruins ainda podem piorar.

Em entrevista a uma rede de televisão brasileira o Cônsul geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine deu um show de insensibilidade e estupidez ao afirmar em Reportagem exibida no dia (14) no "SBT Brasil" que a tragédia no Haiti está tendo bons resultados para ele e atribuindo a culpa do terremoto de terça-feira à religião.

Antoine deu as declarações à repórter Elaine Cortez sem saber que estava sendo gravado.

"A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui, ficar conhecido", disse o cônsul. "Acho que de, tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo... O africano em si tem maldição...”, completa Antoine. Já o polemico Pastor americano Pat Robertson disse que a tragédia provocada pelo terremoto de terça-feira no Haiti foi decorrente do "pacto com o diabo" que setores da população fizeram para que o país se tornasse independente da França.

Para mim a busca de culpados nesse momento não é uma atitude sabia, não ameniza a dor e nem resolve os problemas causados pelo terremoto. Culpar a Deus ou ao Diabo não me parece uma atitude sensata no momento. O que se impõe ante o fato é a necessidade de socorrer as vitimas, de ajudar a amenizar o sofrimento, é trilhar o caminho da esperança concretizada pela busca de sobreviventes entre os destroços, ainda que humanamente falando, possa parecer impossível haver sobreviventes sob uma montanha de entulhos.

Antes de julgarmos os haitianos e de atribuirmos aos seus pecados a causa de tal tragédia, lembremos que nos conta o evangelho que algumas pessoas procuraram Jesus para lhe falaram dos Galileus cujo sangue Pilatos havia misturado com os seus sacrifícios. E Jesus, respondendo, disse-lhes: “Supondes que esses Galileus eram mais pecadores que todos os demais, porque sofreram tais coisas?... Ou que aqueles dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, eram mais pecadores do que todos os outros habitantes de “Jerusalém?”(Lucas 13:14)”. Com essa resposta Jesus destruiu a teologia da retribuição, que atribui aos nossos pecados o a causa de nossos sofrimentos. Ele o fez mostrando que todos somos igualmente pecadores. Dessa forma, se o terremoto no Haiti foi resultado do pecado daquele povo, logo, todas as outras nações devem prepara-se para tratamento isonômico, porque não uma só nação que não esteja em desobediência a vontade santa e perfeita de Deus, todos somos culpados e merecedores da ira de Deus.

Devemos orar para que o Senhor levante as nações para reconstruir aquela nação e que dos escombros surja uma nova nação, livre de toda opressão política, econômica, social e espiritual. Que nos os cristãos de todo mundo demonstremos amor aos que estão sofrendo, no Haiti ou qualquer outro lugar, que os nossos atos de amor precedam os nossos discursos religiosos, pois o amor liberta, constrói e produz esperança, enquanto que o discurso religioso, via de regra, secciona, divide, separa, fomenta o ódio e destrói a esperança.
Ivan José

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Natal encarnação, luz e amor




Precisamos redescobrir o Natal. É tarefa nossa, urgente e intransferível. Redescobrir na perspectiva de quem o conhece, de quem conhece o seu verdadeiro sentido, porque para a grande maioria, inclusive de membros das Igrejas chamadas cristãs o desafio é descobrir a verdade sobre o natal. Não estou falando de banir das lojas o Papai Noel, jogarmos fora os pinheiros e apagarmos os pisca-piscas. Não estou falando de amaldiçoar o natal e tudo que se relaciona com ele, mas de buscarmos nas escrituras a verdade sobre o Natal e sobre Aquele que festejamos o nascimento.
Para tanto precisamos conhecer a doutrina bíblica da encarnação. Entender o sentido do natal sem entender a encarnação é simplesmente impossível, visto que o natal é a comemoração cristã do nascimento do menino Jesus, que para nascer em uma manjedoura desceu do seu trono de gloria e armou entre nós a sua tenda, tornando-se igual a nós, assumindo a nossa humanidade para depois morrer em nosso lugar na Cruz do Calvário pagando com a sua própria vida o preço da nossa salvação. Festejar o natal é festejar a encarnação do Deus que se tornou homem para no seu corpo humano sofrer a dor dos nossos pecados e levar toda a maldição das nossas culpas.
Celebrar o natal de Jesus de conformidade com o ensino bíblico é entender que o menino que nasceu pobre, em um curral na distante Belém é a luz do mundo, o prometido pelo profeta Isaias que profetizara muito tempo antes: “O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz “(Is 9.2).
O que nos ensina as escrituras é que sem Cristo o ser humano está em trevas e nas trevas, perdido, sem direção, sem esperança sem salvação. Os homens perdidos, cegos e sem rumo encontram em Cristo a luz do mundo a solução para seus conflitos internos e norte para suas vidas. Quando Ele entra em um coração toda treva e dissipada, toda escuridão é desfeita, todo medo é vencido. Natal é, portanto, celebrar o advento daquele que é a nossa luz.
Jamais devemos esquecer que o natal não tem relação com discursos inflamados sobre solidariedade, amor, compaixão. O nascimento de Cristo foi para nós a encarnação do amor de Deus. Por essa razão devemos todos os dias praticar o amor que Ele (Deus) derramou em nossos corações. O advento do natal foi único, mas o amor que o motivou deve ser multiplicado, praticado, dividido todos os dias, como prova irrefutável que fomos alcançados pelo Espírito que gerou em Maria o menino Jesus, cheio de amor e de bondade, nascido para matar a morte com a sua morte voluntária na cruz calvário. O natal não nos leva ao egoísmo das ceias nababescas, à embriaguez no vinho da indiferença, mas a ao amor que se encarnou por nós e por nós se doou.
Natal é encarnação, luz e amor. Sem encarnação, não haveria a luz que liberta os povos da escuridão e nem o amor que nos resgata das mãos do inimigo das nossas almas.
Celebremos o Natal com alegria e gratidão ao Senhor do Natal, Jesus Cristo.


Ivan José

Aos meus colegas Pastores

Jeremias 3.15 - "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência".



Vivemos dias em que para ser Pastor , é fundamental ser pragmático, os Pastores dos nossos dias para serem reconhecidos precisam ser empresários da fé “possuírem" uma mega Igreja e ostentarem um titulo pomposo (pelo menos bispo). A fidelidade a Deus mede-se pela prosperidade financeira da "igreja" e do seu dirigente. A fé é o negocio dos "Pastores" mais conhecidos e celebrados em nossos dias, suas técnicas mercadológicas são encontradas em qualquer grupo empresarial que se prese. A Oração virou retórica sobre oração, em vez de oração marketing, em lugar de santidade auto propaganda, não se tem mais saudade dos céus como os santos do passado, em lugar de Reino dos Céus deseja-se o reino deste mundo e as honras dos seus governantes.
Cheguei a pensar que não seria possível piorar mais e aí a imprensa mostrou em rede nacional que eu estava enganado e apresentou o vídeo de um “pastor” que eleva sua voz aos céus para pedir benção e impunidade para corruptos e a transformação da propina em dinheiro abençoado”.
Hoje 17 de dezembro dia do Pastor Presbiteriano, somos chamados a uma reflexão sobre a sublime tarefa de cuidar de pessoas, devemos olhar para homens como o Rev. Simonton, o Rev. José Manoel da Conceição e o pioneiro do Presbiterianismo no Maranhão o Rev. George W. Butler e orarmos para que o Espírito Santo nos conceda a mesma sabedoria, coragem e ousadia que eles tiveram.
Queridos colegas não somos gerentes de Igrejas, mas guias de almas, o nosso chamado é para cuidar, curar e conduzir as ovelhas do Senhor Jesus. O nosso país e principalmente o nosso estado, carecem de homens que amem ao Senhor Jesus com integridade e que procurem a sua vontade acima de qualquer vantagem que o mundo possa nos oferecer. Os dias dos pioneiros do presbiterianismo em nossa pátria eram outros, mudou-se o cenário, mas o nosso desafio continua sendo igual o deles: descobrir o significado das Escrituras, desenvolver uma vida de oração, guiar pessoas à maturidade.
Que Aquele que nos chamou nos dê graça,
Em Cristo Jesus,

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Churrasco, cinema e namoro: santos remédios para a alma


O feriadão e a santa viajem dos filhos para o encontro de jovens e adolescentes na cidade de Presidente Dutra foi um presente dos céus para mim e Gildete. No domingo, após a Escola Bíblica Dominical fomos a um rodízio (depois de degustarmos vários tipos de carne com preferência pela picanha é claro, com a chegada da conta bateu uma leve depressão misturada com sono que curei assim que cheguei em casa e nos jogamos na cama), à noite sem nenhum constrangimento aceitei um convite dos irmãos Cristina e Tony Menezes para conhecer a Toca da Empada. A empada estava deliciosíssima, a companhia agradabilíssima e o preço irrecusável, afinal como reza o dito popular: “quem convida dá banquete”.
Na segunda acordamos um pouco mais tarde, fomos caminhar na litorânea e na volta passamos no supermercado para comprarmos os ingredientes para prepararmos (prepararmos, é força de expressão!!!) um estrogonofe para os nossos filhos, que por sinal é o prato preferido dos dois. À noite fomos ao cinema assistir o filme “Besouro nasce um herói” e ao final nos dirigimos à Igreja para esperarmos os nossos tesouros.
O filme conta a historia de um capoeirista de Santo Amaro no recôncavo baiano, o “Besouro Mangangá” que se insurge contra a tirania de um latifundiário e usineiro, que a despeito do fim da escravidão mantinha os negros que com ele trabalhavam em condição análoga a que tinham quando ainda escravos e com a força das armas e do chicotes os obrigava a trabalhar a exaustão. O "Besouro" hollywoodiano é um exímio capoeirista, que tinha a obrigação de proteger seu professor, o mestre Alípio que por causa da negligencia do seu pupilo foi assassinado a tiros por capangas mandados pelo mesmo fazendeiro que lhe tira a vida posteriormente.
O trailer que segundo críticos é melhor do que o filme “bombou” na Internet, mas o filme decepcionou muitos dos que foram para vê-lo. Na telona, o lendário capoeirista é um homem atormentado pela culpa, que encontra nas divindades do candomblé forças e motivação para continuar com a luta que marcou a vida e a morte do seu tutor, o mestre Alípio.
Foi bom vê imagens da cidade de Santo Amaro, ouvi o sotaque baiano (sem os exageros tão comuns na tv), ouvi a melodiosa voz dos atores baianos, mas eu esperava bem mais. Saí da sala com uma ponta de decepção visto que era grande a minha expectativa.
A despeito da minha humilde critica, o filme mostrou que a verdadeira escravidão não é a do corpo, mas a da alma, mesmo livres dos ferros os negros recém alforriados tinham a alma encarcerada, saíram da senzala, mas a senzala continuava dentro deles, corpo livre coração escravo.
É assim também em nossas igrejas, muitos crentes a quem Cristo concedeu vitória, vivem como derrotados, cheios de amarguras, não conseguem se apropriar do perdão divino arrastam-se pela vida cheio de ódio, prisioneiros do passado, atormentados pela falta de perdão, com alma na senzala e o coração no tronco se rastejam pela vida infelizes, insatisfeitos, derrotados e sem esperança. Deus nós chamou para a liberdade. Nada nem ninguém pode nos fazer prisioneiros, a única prisão capaz de nos prender é a fortaleza de um coração endurecido, incapaz de perdoar aos outros e a se mesmo.
Não devo terminar esse artigo sem mencionar que passear de mãos dadas no calçadão da litorânea, ir ao cinema assistir um filme, não pelo filme, mas apenas para estar juntos, sorrir, brincar e namorar é o melhor dos remédios contra o estresse, o cansaço, a enxaqueca ou qualquer mal proveniente da alma, do coração ou do corpo.
Ivan José

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Mapa da Dor no Brasil

Chamou-me a atenção essa semana a divulgação no Fantástico do resultado de uma pesquisa sobre o mapa da dor no Brasil. Quando vi a chamada do programa para a matéria, logo me lembrei da minha enxaqueca, velha companheira de longos anos da qual já tentei me livrar várias vezes e das mais diversas maneiras, mas até agora não consegui. No princípio, sua chegada causava-me profunda irritação, a ponto de me aborrecer com esposa e filhos sem nenhum motivo plausível - incrível como usamos as pessoas que amamos como alvo para onde lançamos as flechas das nossas frustrações e ou decepções- ficava sensível a som, vozes e também à claridade.
Com o passar do tempo, fui me acomodando e hoje, vejam só, já a trato carinhosamente de “minha enxaqueca”. Temos um relacionamento duradouro, quase afetuoso, sei exatamente quando ela está chegando, quanto tempo vai durar e o que devo fazer para que me deixe temporariamente. Nunca senti saudades, é verdade, mas sinto falta quando em circunstâncias favoráveis ela não comparece, não dá o ar da graça. Cheia de vontades, e admito que por minha culpa, ela tem lá suas exigências, não sai com qualquer medicamento e nunca antes que eu a ponha para dormir por alguns preciosos minutos.
Voltando ao fantástico, confesso um tanto envergonhado, que vislumbrei, na tal reportagem, a possibilidade de um rompimento definitivo com minha enxaqueca, sonhei sem nenhuma compaixão expurgá-la da minha vida como se fosse uma dorzinha qualquer sem nenhuma importância.
A pesquisa do IBGE feita em nove capitais nos mostrou a importância e a grandiosidade da minha “amiga” ao concluir que mais da metade dos brasileiros sofrem de dor de cabeça, logo não estou sozinho, o que se não é um consolo, é uma demonstração do espírito democrático da “nobre” enxaqueca. Sem nenhuma solução, concluí que meu caso com a enxaqueca está cientificamente longe de chegar ao fim. Quero registrar, porém, que, apesar dos anos que nos conhecemos e dos muitos e inesquecíveis momentos que passamos juntos, não me arrependo da malfadada tentativa de me livrar dela, mesmo sabendo que ela não tem nenhuma intenção de me abandonar.
Todavia o que mais me chocou na reportagem, foi a infeliz solução apresentada pela Fisioterapeuta Patrícia Mazoni, que, ao analisar o problema de dores nas costas sofrida por uma costureira ao final da cansativa jornada de doze horas diárias de trabalho, apresentou uma solução e emprestou a um livro uma função inusitada. Reproduzo aqui ipsis literis a fala da supracitada profissional: – “A cadeira é baixa e deve ter uma almofada para assentar e apoiar um pouquinho melhor a coluna. Outro detalhe são os pés; uma perna é usada para costurar e a outra está com o joelho bem dobrado, dificultando a circulação da perna. Vamos resolver o problema do pé, colocando um livro” e arrematou a amante de livros e profissional de fisioterapia, “A gente consegue adaptar para diminuir a dor e a tensão”.
Confesso que nunca imaginei um dia ver e ouvir em rede nacional tão “fantástico” exemplo de desprezo ao conhecimento e à cultura. Que a costureira precisava de um apoio para seus pés ou não, não sou competente para tecer qualquer comentário, mas, mesmo não sendo pedagogo, sei perfeitamente que livros não foram escritos para apoiar pés cansados. Em um país onde os livros são caros e os leitores raros, uma profissional com a formação e reputação (para aparecer no fantástico deve ter muitos títulos e excelente reputação) deveria tomar um pouco mais de cuidado com o que diz e com os exemplos que oferece.
Para a enxaqueca ainda não há cura, mas para a ignorância, analfabetismo, falta de escolaridade, temos, sim, solução. Uma política educacional séria, que prime por uma educação primorosa nos primeiros anos de escolaridade, que capacite os profissionais da educação, e lhes dê tratamento à altura da função nobre que executam, entre outras ações, poderá a longo prazo solucionar o problema educacional brasileiro. Mas, é claro, não devemos esquecer, os livros devem ser usados para formar novos leitores, poetas, filósofos, médicos, fisioterapeutas, cidadãos que, independentemente da profissão escolhida, tenham acesso amplo e fácil aos livros e seu conteúdo e que saibam que os livros não foram escritos para serem pisados.